quinta-feira, 20 de maio de 2010

Entrevista com Tadao Ando

O texto a seguir foi retirado do livro "Tadao Ando. Conversas com Michael Auping"

8 de abril de 2000

Michael Auping: Gostaria de lhe perguntar mais sobre as qualidades da luz e sobre como você emprega a luz para valorizar os seus interiores, e talvez também os exteriores.

Tadao Ando: Como já mencionei anteriormente, a casa em que cresci é uma casa japonesa muito antiga, uma casa de vila, estreita e comprida. Uma das coisas de que mais me lembro, quando a gente entrava na casa, é de perceber como ela era escura, já que era fechada com paredes ao sul e ao norte. Em alguns momentos ela se iluminava, mas eu tenho essa lembrança forte porque, quando estava ali dentro e as luzes não estavam acesas, havia muita escuridão, e a escuridão me dava a sensação de estar abrigado. Eu me sentia seguro, protegido. Sentia que o espaço da casa protegia o meu corpo. Este é um sentimento muito fundamental que revivo em certos lugares, e eu me lembro de que a primeira vez que o tive foi naquela velha casa em Osaka.
Eu visitei uma casa hoje de manhã em Dallas, uma casa muito bonita, mas onde não havia nenhuma escuridão. Era muito clara e muito brilhante. Este conceito de habitação é muito diferente do meu. Acho que a casa serve ao propósito de abrigar, tanto física quanto espiritualmente, e a minha percepção é de que a escuridão desempenha um papel importante dentro disso.


MA: Ironicamente, a maioria dos críticos considera que suas obras relacionam-se essencialmente à luz.

TA: A luz somente pode ser percebida por causa da escuridão. Na minha casa em Osaka, a gente entrava por um espaço escuro e, à medida que passava por ali, várias aberturas, ainda que pequenas, permitiam a entrada da luz. Por causa da escuridão, a gente sentia a presença forte da luz. Se você observar a casa japonesa tradicional, verá que ali a luz não incide diretamente no interior, por causa dos beirais do telhado e do espaço tradicional do engawa¹ que cerca a construção. O interior sempre é iluminado por uma luz indireta, refletida através do engawa e do jardim. Assim, o interior da casa japonesa, como um todo, é escuro. Quando você se acomoda no interior de um aposento escuro e dali olha para o jardim, que é iluminado naturalmente, você começa a sentir a relação fundamental que existe entre a luz e a escuridão, a razão pela qual elas precisam uma da outra para se expressar. Eu senti isso na minha infância. Eu gosto quando as pessoas escrevem sobre a luz nas minhas construções, mas acho igualmente importante atentar para as sombras. Elas exercem um papel importante nos meus edifícios. Sombras e escuridão contribuem para a serenidade e a calma. No meu ponto de vista, a escuridão propicia contemplar e refletir.

MA: Numa sociedade cristã, a luz é sempre privilegiada em detrimento da escuridão, e a escuridão tem uma conotação essencialmente negativa. Você está sugerindo que a escuridão pode até ser mais importante para o processo contemplativo?

TA: Sim, é o que eu acho. É claro que o equilíbrio entre a obscuridade e a luz pode mudar, dependendo do contexto. Mas áreas de escuridão são críticas e, na minha opinião, elas se relacionam com profundos níveis metafóricos de criação. Acho que os filósofos, os poetas, as pessoas que passam grande parte das suas vidas pensando sobre coisas básicas, têm, bem no fundo do seu estado mental, uma coisa que eu chamaria de marca. É algo profundo dentro delas ou em seu pasado, que faz com que elas pensem na vida de uma maneira diferente. Essa marca pode lhes dar a vontade de lutar ou o poder de se expressar. Agora mesmo estou pensando no arquiteto Daniel Libeskind. Ele é judeu e é com a marca de ser judeu, que é a marca da difícil história dos judeus, que ele parece viver. Eu diria que esta é a imagem que conduz a sua criatividade. E há áreas importantes de escuridão em seus prédios.

MA: Você acha que isso vale para todos os arquitetos bem-sucedidos?

TA: Para muito daqueles que posso pensar. Nós poderíamos falar de Louis Kahn e da sua realização de uma concepção notável de ordem arquitetônica, mas não é difícil perceber, mesmo nas suas fotografias, que ele era um lutador. Essa marca pode ser reconhecida em seu rosto, tão profundamente quanto em seu íntimo. Suas próprias expressões faciais indicavam que ele sempre tinha alguma coisa em mente, que estava tentando lidar com alguma coisa durante todo o tempo, até na hora de morrer. Ele foi encontrado morto no banheito público da Penn Station em Nova Iorque. Toda a sua vida parece ter sido uma batalha, e o resultado dessa batalha é o seu indescritível sentido de ordem. A vida de um arquiteto não está destinada a ser feliz. Uma vez que você se sinta satisfeito e feliz, isso provavelmente significará que a sua busca acabou, que a sua incompletude cessou, ou foi, de algum modo, esquecida.
Nós sabemos que Kahn produziu vários edifícios verdadeiramente importantes, como Kimbell e o Salk Institute. Porém, são os trabalhos que fez em Ahmedabad, na Índia, no Institute of Public Administration, e no National Capital Assembly Hall de Bangladesh, em Dacca. Nessas obras, ele buscou, ou extremo, a escuridão. Os trabalhos que realizou nos Estados Unidos antes dessa época podem ser altamente considerados, na medida em que mostraram o que poderia ser a arquitetura popular, mas os seus trabalhos na Ásia expressam muito profundamente a natureza do seu pensamento. Sua evolução parece ir do claro ao escuro, até a busca da escuridão como um modo mais profundo de se expressar.

MA: A pergunta óbvia seguinte, é claro, é: como você descreve a marca que se expressa em seu trabalho?

TA: Bem, em termos gerais, Osaka, - onde passei a maior parte da minha vida - pode ser vista como localizada na periferia da cultura japonesa. É o último lugar que alguém julgaria culturalmente promissor, no sentido da arte moderna. O lugar onde nascemos e crescemos, e a época em que nascemas e passamos a maior parte das nossas vidas são decisivos para nós. Tende nascido em 1941, quando começou a Guerra do Pacífico, e tendo sido criado nesse lugar periférico, acho que trago a marca ou a necessidade inconsciente de ser profundamente culto. De 1945 a 1965, havia muita gente sofrendo com a pobreza e a desnutrição à minha volta. Ainda jovem, eu compreendi que viver não era fácil, que a vida podia ser muito dura. No final da minha adolescencia, eu queria fazer uma contribuição à cultura, mesmo não tendo nascido para isso. Às vezes, tenho a sensação que de que venho de um nível inferior e que estou querendo ir além dele. Talvez o Sr. Isozaki possa entender o que eu estou dizendo. Ele nasceu em Ohita, na ilha de Kyushu: ele também nasceu numa das periferias. Se quisermos usar a escuridão e a luz como metáforas, diria que não viemos de um lugar radiante como Tóquio, onde você está no centro da luz da cultura. Por outro lado, há um arquiteto como o Sr. Maki, que nasceu e foi criado numa família abastada de Tóquio. O trabalho dele tem uma aparência mais iluminada, mas deslumbrante, pode-se dizer. Ele parece não carregar nenhuma marca visível.

¹ Na arquitetura japonesa tradicional, o engawa é o espaço que realiza a transição entre um aposento e o ambiente externo, semelhante ao pórtico ou à varanda ocidentais.

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